| Ophelia #4808 « Citoyen »
Date d'inscription : 06/07/2015 Communauté : Portugaise Messages : 482 Prestige : 11 Niveau : 1 Hors ligne Genre : Féminin Âme sœur : Aikka #1081
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❛ i better be around you. ❜ — LOONA, butterfly (2019)
Image : https://cdn.discordapp.com/attachments/295242971278999553/511233740517670922/faixa.PNG Cette image a été masquée par défaut afin de préserver votre vie privée. | text.txt o grande mentecapto Ao dar entrada em sua nova residência, Geraldo Viramundo foi levado diretamente ao gabinete do diretor, um velhinho de cabeça branca e olhos azuis que atendia pelo nome de Dr. Pantaleão. - Você o que é, meu filho? - perguntou o Dr. Pantaleão. - Sou cristão pela graça de Deus - respondeu Viramundo. - Isso! Assim é que serve. Esse pelo menos fala. Cada doido com sua mania. De médico e louco todos temos um pouco. Eu estou perguntando qual é a sua encarnação. Antes que Viramundo pensasse em responder, Dr. Pantaleão disparava a falar, muito depressinha: - Napoleão ainda temos uns três ou quatro. Já tivemos uma porção. Nunca tivemos é um papa, mas santos temos vários. Temos também um que é grão de milho, não pode ver uma galinha, foge correndo. E tem outro que é justamente galinha, vive a perseguir o pobre do grão de milho, cacarejando. Tem um que é cafeteira: passa o dia inteiro com um braço na cintura e outro para cima, mas não serve café a ninguém, acho que está vazia. Tem de tudo. Dom Pedro temos dois. Pedro Segundo, digo. Não sei por que, mas Pedro Primeiro nunca mais apareceu. O último que tivemos, já faz tempo, morreu de tanto grito do Ipiranga que ele dava, proclamando a independência. Independência ou morte! Independência ou morte! 9 Independência ou morte! Ficava assim o tempo todo, montado numa vassoura. Você o que é? - Eu sou mais eu - respondeu Viramundo prontamente. - Não pode. Se você fosse mais você, não estaria aqui. Você é menos você, isso sim. E noves fora, zero. Se eu fosse você, seria alguém mais, não seria eu. Portanto, você tem de ser alguém. Basta escolher. Só não escolha Tiradentes, que você pode se dar mal. Já tivemos um, e acabaram enforcando o coitado. Foi preciso que Caxias, o pacificador, viesse botar ordem nesta joça, que isto aqui estava uma verdadeira loucura. Se é que você me permite esta redundância, hi! hi! hi! Todo mundo aqui dentro tem de ser alguém ou alguma coisa. Você o que é? Sem esperar resposta, o Dr. Pantaleão se aproximou dele e continuou a falar, baixando a voz e com um brilho de esperteza nos olhinhos: - Vou lhe dar um conselho: seja coisa, não seja gente. Coisa é muito melhor. Uma coisa bem macia, bem leve, bem fofa... Uma nuvem, por exemplo. Eu vou lhe contar um segredo, peço que não conte para ninguém. Quando vim para cá, minha intenção era ser uma nuvem, mas não pude, porque tinha que andar pelado, o que era incompatível com a minha condição de diretor. E você já imaginou uma nuvem de calças? He! he! he! - Vladimir Maiakovski! - exclamou Viramundo solenemente. Dr. Pantaleão levou um susto, deu um pulo para trás e passou a olhá-lo com mais respeito: - Que é isso, meu filho? - Poeta russo. Autor desse poema que o senhor mencionou, "Nuvem de Calças". Como já disse, e se não disse, digo agora, Geraldo Viramundo era chegado à poesia, e tinha lido o mencionado poema em tradução da autoria de outro poeta, sul-americano este, de nome Pablo Menendez de los Campos, publicada numa revista que por acaso lhe caíra nas mãos. Tudo isso Viramundo logrou dizer às pressas, aproveitando-se do espanto do Dr. Pantaleão, que estava deveras impressionado com tamanha erudição: - Bem, poeta russo pode ser. Mas que ideia, hi! hi! hi! Não me leve a mal se acho engraçado. Como é mesmo o nome? Merdakovski? Daí a origem do epíteto Merdakovski, General Búlgaro, constante da lista de apelidos por mim coligida e já apresentada neste trabalho. Só que Maiakovski não era búlgaro e, ao que me conste, nunca foi general. Mas querer quem há-de encontrar alguma razão em alcunha originada num hospício? Porque, a partir daquele momento, Merdakovski ele ficou sendo, para o Dr. Pantaleão e seus inquilinos, durante a temporada que passou naquela instituição. cidades mortas Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro. Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor. Mas João Teodoro acompanhava com aperto de coração o deperecimento visível de sua Itaoca. – Isto já foi muito melhor, dizia consigo. Já teve três médicos bem bons – agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está acabando… João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. – É isso, deliberou lá por dentro. Quando eu verificar que tudo está perdido, que Itaoca não vale mais nada de nada de nada, então arrumo a trouxa e boto-me fora daqui. Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada… Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seríssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!… João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada, botou-as num burro, montou no seu cavalo magro e partiu. – Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens? – Vou-me embora, respondeu o retirante. Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim. – Mas, como? Agora que você está delegado? – Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado, eu não moro. Adeus. E sumiu. |