O Pai Morto - Donald Barthelme |
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A cabeça do Pai Morto. A questão é que os olhos dele estão abertos. Encarando o céu. Olhos com dois tons de azul, os azuis do maço de Gitanes. A cabeça nunca se move. Décadas encarando. A fronte é nobre, Deus do céu, o que mais? Ampla e nobre. E serena, é claro, ele está morto, como não estaria serena? Da ponta do nariz de formas elegantes e narinas delicadas até o chão é uma queda de cinco metros e meio, número obtido por triangulação. O cabelo é grisalho, mas um grisalho jovial. Cheio, quase na altura do ombro, é possível admirá-lo por muito tempo e muitos o fazem, num domingo ou outro feriado ou naquelas horas ensanduichadas com esmero entre fatias mais gordas de trabalho. Os contornos da mandíbula têm nítida semelhança com uma formação rochosa. Imponentes, escarpados e tudo mais. A grande mandíbula abriga 32 dentes, 28 brancos como azulejos comuns de banheiro e quatro manchados, estes por conta do vício em tabaco, reza a lenda, um quarteto bege localizado no centro da mandíbula inferior. Ele não é perfeito, e graças a Deus. Lábios vermelhos e grossos retraídos num ricto sutil, um ricto sutil mas não desagradável, expondo um pouco de salada de cavala presa entre dois dentes do quarteto manchado. Achamos que é salada de cavala. Parece ser salada de cavala. Nas sagas, é salada de cavala. Morto, mas ainda conosco, ainda conosco, mas morto. Ninguém consegue se lembrar de quando ele não estava em nossa cidade posicionado como alguém que dorme um ono intranquilo, imenso da cabeça aos pés, ocupando da Avenue Pommard ao Boulevard Grist. Comprimento total, 3.200 côvados. Metade enterrado no solo, metade não. Trabalhando sem cessar noite e dia hora após hora para o bem de todos. Ele controla os hussardos. Controla a ascensão, a queda e a variação do mercado. Controla o que Thomas está pensando, o que Thomas sempre pensou, tudo que Thomas pensará, com exceções. A perna esquerda, inteiramente mecânica, reputada como centro administrativo de suas operações, trabalhando sem cessar noite e dia hora após hora para o bem de todos. Na perna esquerda, em dobras ou nichos inesperados, encontramos coisas de que precisamos. Confessionários, pequenas cabines com portas de correr, é nítido que as pessoas se sentem mais livres se confessando ao Pai Morto do que a qualquer sacerdote, é claro!, ele está morto. As confissões são gravadas, embaralhadas, recombinadas, dramatizadas, e então aparecem nos cinemas da cidade, um novo longa-metragem a cada sexta-feira. Às vezes alguém reconhece momentos da própria confissão. O pé direito repousa na Avenue Pommard, nu exceto pela faixa de titânio ao redor do tornozelo, unida por cadeias de titânio aos oito homens-mortos (homem-morto substantivo masculino. 1. pilastra, bloco de concreto etc., enterrado no chão como suporte) cravados no verde dos Jardins. Não há nada de incomum a respeito do pé, exceto os sete metros de altura. O joelho direito não é muito interessante e ninguém jamais tentou dinamitá-lo, o que demonstra o bom senso dos cidadãos. Do joelho à articulação do quadril (Belfast Avenue) tudo é bem corriqueiro. Encontramos por exemplo o reto femoral, o nervo safeno, o trato iliotibial, a artéria femoral, o vasto medial, o vasto lateral, o vasto intermédio, o grácil, o adutor magno, o adutor longo, o nervo cutâneo femoral intermédio e outros simples dispositivos pré-mecânicos dessa natureza. Todos trabalhando noite e dia para o bem de todos. Às vezes flechas minúsculas são encontradas na perna direita. Nunca se encontram flechas minúsculas na perna esquerda (artificial), o que demonstra o bom senso dos cidadãos. Nós queremos que o Pai Morto esteja morto. Sentamo-nos com lágrimas nos olhos querendo que o Pai Morto esteja morto – enquanto fazemos coisas fantásticas com as mãos. |
Guardiaocego « Citoyen » 1607664660000
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lindo poema amei |
Sigfroide « Citoyen » 1607664960000
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Olha, interessante. |
Ratofmoon « Citoyen » 1607704680000
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Bom livro |
Quedrogameu « Citoyen » 1607706660000
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chorei |
Ronjamesdio « Citoyen » 1608614640000
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morreu pra vc, filho ingrato |