[Mistério] Ideologias Desconhecidas |
Rafaklbvr « Consul » 1512419220000
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Esta é a história de um habitante de Noir York, um detetive que, recentemente, foi transferido para o turno diurno pelos seus superiores após problemas no seu último caso, sua carreira, outrora promissora, agora em decadência. Porém, ainda existem mistérios para esse jovem aventureiro urbano desvendar A estória começou como um projeto para passar tempo numa tarde domingo, sendo postada na TT como uma espécie de programa noturno, mas será postada aqui também para os que queiram apreciar. Frequência de postagem: Diária, talvez até dois capítulos por dia, nos dias que permitirem. Capítulo 1: O Elo Noturno Acordei no meio da noite, minha cabeça doendo como se tivesse se tornado pequena demais para meu cérebro, o brilho da televisão banhava a sala. Eu havia adormecido esperando o fim do jornal, a repetição da habitual leitura de obituários de forma eufêmica já havia se tornado tão comum que não mais era o bastante para prender minha atenção e me manter longe das cenas dos shows muito mais horríficos dos meus sonhos. Um segundo se passou até eu notar o que havia me acordado, não era o barulho que emanava da TV, aquele já havia se tornado batido, não importa quantas diferentes fantasias tentasse vestir, era o som inconfundível do meu celular, o único som que não era ouvido com frequência o bastante em meu apartamento para evitar que caísse no plano de fundo do mesmo. Nem me importei em me levantar para atende-lo, estava cansado demais e a sensação do meu cérebro sendo esmagado em meu crânio era um motivo forte demais por si só para manter-me deitado, não que eu não estivesse me acostumando com ela também. Após alguns segundos, o toque cessou, pensei que quem ligou tivesse desistido e continuei deitado, passando os canais da minha mente tão rápido quanto passaria os da televisão na ausência de algo interessante para assistir, que era o estado normal deles. Porém, meus segundos de paz foram interrompidos de novo, pelo mesmo som que havia me arrancado dos shows nefastos do sono, desta vez eu me ajeitei no sofá para tentar pegar o aparelho, apalpei a pequena mesa na qual repousavam meus melhores amigos noturnos, uma garrafa de vodka com apenas um filete do líquido em seu fundo e uma cartela de cigarros, acompanhada de um cinzeiro no qual repousavam cinco, arrumados no formato de uma estrela. Meus dedos passearam pela madeira como ladrões pelos corredores de uma casa, até que acharam seu prêmio, o meu celular. Peguei-o e o coloquei na frente dos meus olhos, tentando superar a tarefa Hercúlea de organizar o borrão de luz à minha frente em uma imagem compreensível, alguns segundos se passaram até que consegui êxito em meu pequeno intento, a tela do celular demonstrava “Número Desconhecido” quem estaria me ligando de um número desconhecido esta hora da noite? “Um moleque madrugando e passando trotes para se divertir” foi a primeira coisa que passou pela minha mente, quando eu era jovem também costumava fazer isso, era divertido quando você não pode e está do lado de lá da linha, mas quando você está do lado de cá, é apenas mais uma companhia desagradável na longa jornada que é a noite. Coloquei o aparelho de volta na mesinha, quem quer que estivesse me passando um trote esta hora da noite, desistiria depois da segunda ou terceira ligação, e eu não queria perder meu tempo desligando o celular para depois liga-lo de novo, ou perder uma ligação séria porque estava desligado. Fiquei fitando o teto do meu apartamento, de vez em quando uma cena ou outra na confusão brilhante que era a TV atraía meu olho, mas nada demais, eu estava prestes a me levantar para buscar uma nova companhia para minha pequena noite da alegria, já que a da mesa não estava mais aguentando o tranco, quando o telefone tocou mais uma vez. Ignorei-o desta vez, talvez finalmente depois dessa ele resolvesse procurar outra vítima, levantei-me e fui, tropeçando em meus próprios pés, à cozinha, abri o portal para Jotunheim e tirei de lá o hidromel dos deuses eslavos, retornei para o sofá, reabasteci o suprimento do pequeno recipiente de vidro que repousava sobre a mesa, fiel a mim, e me preparei para mais uma aventura madrugada a dentro. Olhei para o relógio em meu braço, eram duas da manhã. Após alguns segundos de paz e sossego da madrugada, mais uma vez o ambiente já familiar foi quebrado pelo mesmo som, o qual nunca havia despertado em mim outro sentimento além de surpresa, agora despertava uma leve irritação, desta vez o instinto agiu por si só, minha mão criou vida própria, como se os ladrões tivessem tomado uma dose perigosamente alta de entorpecentes, ele esbarrou no esqueleto do meu velho amigo da noite e o derrubou de nosso pequeno salão de festas em seu caminho para o convidado indesejado barulhento, agarrou-o e o levou ao meu ouvido, atendendo por reflexo. -Alou? -Proferi as palavras no automático, com uma voz esquelética que saía de uma tumba a muito com o odor pútrido dos cadáveres -Mr. Chess, boa noite -Uma voz estranhamente familiar, calma e imperiosa ecoou do aparelho para o labirinto do meu canal auditivo, de onde iria para o labirinto mais intricado da minha mente. -Boa noite, quem é? – Respondi com a mesma voz esquelética de antes, ainda no automático, embora uma parcela do meu cérebro sentisse algo errado naquilo tudo -Sou um velho conhecido, Mr. Chess, o senhor falou comigo hoje mesmo, não lembra? A voz ecoou pela minha mente, estranhamente familiar e, ao mesmo tempo, estranhamente distante, como um amigo ou parente do qual você há muito se esqueceu, mas ainda se agarra alguma lembrança dele, vasculhei minha mente buscando a lembrança a qual ele se referia e que meu cérebro parecia se agarrar, porém, os arquivos da minha memória eram tão bagunçados quanto os de qualquer repartição pública de respeito, não preciso nem dizer o resultado da minha pesquisa. Acenei com a cabeça, como se estivesse em uma conversa ao vivo com o indivíduo do outro lado da linha, porém, antes mesmo que eu notasse minha confusão comunicativa, ele respondeu, como se eu tivesse vociferado o que tentei passar por movimentos. -É uma pena, bem, apenas liguei para dizer um olá, para que não esquecesse de mim, e lhe lembrar da promessa que fez, espero que a cumpra, até mais, Mr. Chess, anseio por nosso próximo diálogo. Antes que meu cérebro pudesse terminar de compreender o que havia acabado de receber, ele desligou, o ambiente voltou ao seu estado familiar, deixando-me no mesmo feitiço de antes, por um momento, a parte sã do meu cérebro saiu de sua cidadela na fronteira de minha mente para tentar pôr as coisas em ordem, parei por alguns segundos para refletir sobre o que havia acabado de acontecer, eu não havia sequer saído de casa hoje, nem recebido visitas, como eu poderia ter me encontrado com um velho conhecido? Uma ligação, talvez? Se sim, por que ele usaria um número desconhecido? Um dos meus grupos na internet? Se sim, que promessa eu teria feito que faria ele ligar duas da manhã para conferir se eu ia mesmo cumprir? Essas perguntas me atormentaram conforme eu afundava minha cabeça novamente na almofada do sofá, a qual tinha mais atenção dos meus cabelos do que a da cama tinha há meses. Não queria que meus olhos fechassem, preferia o show sem graça da TV aos horrores dignos de óscar da minha mente, mas quem disse que o corpo é um servo obediente... Capítulo 2: Uma Face Estranhamente Familiar Acordei no meu horário habitual, 6 da manhã, arrancado do meu mundo dos sonhos pelo som do jornal da manhã, peculiarmente mais alto do que todos os sons que a TV produzia à noite, nem mais me importava em ligar o alarme ou algo do gênero, o som da TV era o melhor despertador para uma múmia do sofá como eu. Levantei-me meio zonzo do sofá, no processo, acabei esbarrando meu braço no esqueleto do meu amigo da noite anterior, ele caiu de nosso pequeno salão de festas para as ruas das linhas do meu tapete, não liguei muito, apenas seria mais um elemento na paisagem do meu chão, dirigi-me ao banheiro, navegando por entre os móveis da sala como um navio cujo capitão está demasiadamente cansado ou entorpecido, não raro esbarrava em alguma rocha. Adentrei o banheiro, abri a torneira e lavei meu rosto, logo em seguida, olhei para meu reflexo no espelho. Os meus cabelos estavam parecendo as ruas da cidade, intrincados sem sentido algum, apenas arrumados conforme os movimentos da minha cabeça durante a noite, meus olhos, estranhamente, não estavam com olheiras tão profundas, mesmo depois de minha pequena pernoitada. Não dei muita atenção a isso, apenas enxuguei meu rosto e me dirigi para a cozinha, tropeçando, no caminho, no esqueleto do meu amigo da noite anterior. Chegando lá, fiz o meu ritual padrão, ao som da leitura de obituários da manhã, esquentei um pouco de café que havia sobrado de ontem à noite, peguei um pão e comi, há muito não me importava em passar a manteiga, há muito não me importava com muitas coisas, o som dos obituários sendo lidos na TV era minha única companhia nesta manhã, a qual seria igual a todas as outras, porém, enquanto comia, vasculhava meus pensamentos, movido por uma esperança que havia se tornado padrão há muito tempo e perdurava mesmo agora que já a havia perdido, a esperança de que algo em meus pensamentos pudesse me alegrar. Nada lá me alegrou, mas algo me intrigou, eu não me lembrava de pesadelo algum naquela noite, desde o momento em que repousei minha cabeça no sofá até o meu despertar na madrugada e, depois disso, até meu despertar alguns minutos atrás, eu não me lembrava de nada, normalmente eu consigo lembrar que tive pesadelos, mesmo que sem conseguir detalhar nada neles, mas consigo lembrar do tormento noturno, são, por mais frequentes que sejam, o mais próximo de quebra de rotina que tenho, só que, desta vez, não me lembrava de nada. Esse pensamento me atormentou enquanto comia, fez-me ficar alguns minutos ali sentado, como se hipnotizado, alheio ao já batido mundo à minha volta, quando meu olhar foi atraído para a TV, um homem estava dando uma entrevista ao jornalista, a voz dele me parecia estranhamente familiar, e sua aparência também, embora seu rosto estivesse coberto pela aba do seu fedora preto e seus óculos escuros, os traços que ele deixava expostos eram estranhamente familiares, tentei ajeitar os feixes de luz em uma imagem compreensível para fins de conseguir captar melhor os traços e ver de quem se tratava, mas, após um tempo apertando meus olhos, pisquei-os e os traços do homem já não mais me pareciam tão familiares, nem sua voz. “Já devia ter me acostumado aos efeitos da bebida” balbuciei para mim mesmo enquanto me levantava para ir pegar minha toalha para o banho. Adentrei o perímetro da minha cachoeira particular, enquanto a água lavava a fuligem da indústria de sossego que eram meus cigarros, eu fitava o azulejo da parede, acompanhando cada gota que descia como uma águia acompanha suas presas antes de dar o bote, as gotas cruzavam seus caminhos como os fios de um tear se cruzam para formarem o tecido, inexplicavelmente, aquilo era mais hipnotizante do que qualquer música pop podre jamais seria. Enquanto me esfregava para tentar arrancar de minha pele o odor de minha decadência, mil e um pensamentos voavam sobre minha mente, rápidos como um raio, deixando para trás apenas o seu esqueleto vazio, como um raio deixa seu rastro de luz pelo céu, minha mente estava mais bagunçada do que o normal. Terminei meu banho, enxuguei-me e fui vestir minha habitual máscara, minha camisa branca, meu sobretudo negro, minha calça refletindo a cor do meu sobretudo e meus sapatos. Parecia sempre vestido para um funeral, talvez fosse porque eu ia para o meu funeral todos os dias, talvez fosse porque estava de luto eterno de mim mesmo, talvez as duas coisas. Ajeitei meu cabelo no espelho, as pessoas não apreciam quando seu cabelo parece um mapa das ruas da cidade ou das catacumbas de Paris, peguei minha carteira e minhas chaves, desliguei o leitor de obituários e saí do meu mausoléu. Dirigi-me ao elevador do prédio, há muito meus hábitos autodestrutivos haviam me privado o luxo de descer as escadas como sempre fiz, via-me, agora, dependente da boa vontade do elevador. Após alguns segundos de espera, as portas se abriram e eu adentrei o compartimento de transporte, havia um senhorzinho no mesmo, ele me deu um bom dia de quem, mesmo no final da sua vida, tem mais alegria do que muitos que acabaram de começar, talvez ele tivesse motivo pra isso, a proximidade do fim deste calvário era realmente motivo de alegria, balbuciei um bom dia de resposta, enquanto me apoiava na parede do elevador e suspirava, pensamentos confusos continuavam a passear por minha mente, o senhorzinho parecia ir para o térreo também, passaram-se alguns segundos até que as chapas de metal se abriram novamente, para revelar o antiquíssimo hall de entrada do prédio, provavelmente mais antigo do que eu, com a pintura das paredes um pouco desgastada, o tapete já descolorido de tantas vezes que foi limpo e varrido, a cadeira na qual o segurança repousava e a pequena cidadela do porteiro, onde o Sr. Leioi fazia o seu trabalho de guardião da pequena confederação de infernos que era o prédio. Leioi era filho de um francês com uma italiana em Noir York, a maior salada de nacionalidades que eu tinha visto até aquele ponto, era a pessoa mais simpática e amigável daquele prédio, superando até muitos velhinhos simpáticos e alguns amigos meus, algumas vezes, quando eu não queria subir para o habitual martírio do meu sofá, eu ficava aqui no hall, noites a fio, conversando com ele, ouvindo o rádio, ou simplesmente jogando algo, de vez em quando, um amigo dele se juntava a gente, eram singulares momentos que se destacavam no uniforme mar que era minha vida, seu bigode charmoso e cabelo sempre ajeitadinho me faziam pensar como ele até agora não havia arrumado uma mulher ou um emprego num lugar melhor e se retirado deste buraco, “eu gosto daqui, muito mais agradável do que qualquer lugar em que já trabalhei” era sempre sua resposta, embora surreal demais para ser verdade, nunca notei tom de mentira ou deboche em suas falas, talvez eu não fosse o único louco em nosso pequeno círculo interno. Passei por ele e me despedi, balbuciando um “bom dia” e um “tchau” mais vívido do que o que dei ao velhinho, pelo menos, normalmente essa era minha forma de demonstrar afeto, ele estava se arrumando para ir embora, o turno dele acabava às 7 da manhã, e estava quase na hora, ele retribuiu meus cumprimentos e eu tomei meu caminho. Adentrei as ruas de Noir York, embora tivesse perdido meu mapa capilar ao ajeitar o cabelo com meu pente, a minha mente já havia decorado o procedimento padrão, praticamente um piloto automático, minhas pernas moviam quase que sozinhas, eu apenas ficava absorto em meus pensamentos e olhava sempre à frente, sempre reto. Porém, havia algo estranho desta vez, algo que me deixava inseguro, como se algo estivesse fora do lugar e eu fosse um perfeccionista, olhei pra trás sobre meu ombro e podia jurar ter visto um vulto recuando para um beco assim que meu olhar recaiu sobre o mesmo, talvez fosse apenas alguém pegando um atalho ou um zé droguinha buscando um santuário para praticar seus rituais nefastos de adoração ao seu entorpecente, mas aquilo atraiu minha atenção por uns segundos, meu cérebro confuso tentava fazer sentido de uma situação confusa, era como um robô quebrado tentar consertar outro, após alguns segundos parado lá, meu cérebro resolveu desconsiderar aquilo e prosseguir com sua navegação automática. As torres de vidro da cidade refletiam os raios solares da manhã, pareciam grandes colunas de marfim que te aprisionavam numa floresta de pedra, banhando as ruas com sua reflexão do sol, tentando tomar o lugar do astro que, há muito, havia deixado de ser a estrela do espetáculo urbano, cedendo a maior parte do seu tempo de show para uns atores de quinta que tentavam imitar sua glória. Desci as escadarias para a morada da minhoca de aço, o metrô. Não mais meu cérebro precisava se importar em fazer o trabalho de movimentação automática, a multidão o fazia por si mesmo, quando se adentra uma multidão, torna-se parte dela, não mais você se move, a multidão se move e leva você junto, eu gostava disso, poupava trabalho para meu cérebro. Esperei pacientemente alguns minutos na estação, uma pessoa normal ouviria música ou algo do gênero para passar o tempo, mas eu ouvia meus pensamentos, eles eram uma música que você gostaria, ficaria com o ritmo grudado em algum canto da sua mente, mas mesmo assim não conseguiria lembrar o que queriam dizer, apenas o tom e o ritmo, e sempre voltaria para mais. Fui arrancado de minha ópera particular pelo som estrondoso e inconfundível dos cavalos de aço da carruagem de metal que desbravava as estradas subterrâneas da cidade chegando, a multidão se encarregou de adentrar a mesma, levando-me com ela, a multidão ocupou os espaços da carruagem, deixando-me em pé apoiado numa parede no canto do vagão. Infelizmente, as engrenagens do grande maquinário que era a sociedade não me permitiram puxar um dos meus companheiros de viagem de sua pequena casa de cigano para termos nossas alegres conversas carregadas de um nevoeiro leve e cinza, era proibido fumar nos vagões. No meio da multidão, no outro extremo do vagão, estava um homem com um terno preto e óculos fundo de garrafa escuros, eu tinha a sensação que ele olhava para mim, mesmo ele parecendo absorto em um diálogo com outro passageiro, também em pé, minha atenção repousou sobre eles por alguns instantes, até que algo do lado de fora do trem atraiu minha atenção, desviei minha atenção para a janela, o trem havia parado, estávamos na estação do meu destino, antes que eu pudesse retornar meu olhar para o homem em seu diálogo, a multidão começou a se mover e o fluxo de pessoas bloqueou minha visão, eu esperei um pouco, tentando recuperar o elo com a imagem dos dois senhores conversando do outro lado do vagão, mas a multidão já os havia carregado, não estavam mais em lugar algum para serem vistos. Embora menos suspeitos do que a sombra de outrora, memória da qual já se dissipava no meu cérebro como o nevoeiro da manhã, aquele evento deixara em minha mente uma marca que me atormentava, ao adentrar as entranhas da pequena multidão do metrô em sua tarefa de deixar o vagão, buscava nas cabeças da multidão aqueles cabelos negros, aqueles óculos pretos, aquele terno, mas era como procurar uma agulha num palheiro, o movimento e a quantidade de indivíduos no mar de cabeça me impediam uma busca eficaz, pensei ter visto o senhor subindo as escadas para deixar a estação, mas, algo ruim me atacou a nuca, um sentimento que gelaria até a espinha de um deus do fogo, instintivamente, olhei para trás. Podia jurar que, no vagão do trem, no mesmo lugar que outrora eu estava, havia um senhor com um terno, um óculos garrafa preto e um chapéu-coco, não conseguia focar no olhar dele, mas algo me dizia que ele estava me olhando, acompanhando cada passo meu... Episódio 3: Um dia quase normal Fiquei alguns segundos parado olhando para o senhor no trem, minha mão, quase que independentemente, dirigiu-se ao coldre da minha Glock 9mm, não planejava um tiroteio em meio a tantos civis, mas, se precisasse me defender, era bom estar pronto. Porém, o trem encheu e partiu, levando consigo o meu admirador secreto, mas deixando meus nervos em frangalhos para trás. Subi as escadas para sair da estação, com os últimos acontecimentos ocupando o palco da minha mente, toda hora olhava por cima do ombro para ver se alguém me seguia, conforme eu saia do fluxo principal da multidão, mais e mais minha atenção era captada por qualquer um que usasse uma roupa semelhante aos meus possíveis perseguidores, meu cérebro tentava fazer sentido daquilo tudo, não obtendo êxito a não ser vir com umas teorias conspiratórias dignas de programas falidos de madrugada, precisava parar de assistir tanto Arquivo X. Encostei-me numa parede esperando o sinal da rua fechar, levei a mão ao meu bolso, tirei um dos cigarros da cartela e o acendi com meu isqueiro, quem sabe a fumaça dele não nublasse meus problemas. Fiquei alguns segundos ali, olhando os carros fluírem pela rua como um rio revolto após uma tempestade, desviei meu olhar para o céu, escuro e fechado, como a alma da cidade abaixo dele, como se fosse um espelho dos que habitavam abaixo de si. O sinal abriu e prossegui com meu calvário, enquanto caminhava, refletia sobre o estado da minha vida, sobre as recentes vicissitudes que haviam explodido meu presente e desmoronado minhas estradas para o futuro, virei outra esquina e lá estava ele, o prédio não muito majestoso do Departamento de Polícia de Noir York, NYPD para os mais íntimos, que no caso são os bandidos, afinal, quem é mais íntimo da polícia do que aqueles com os quais trabalhamos todos os dias? Adentrei o prédio, com sua arquitetura do século passado e finalidade mais velha ainda, cumprimentei meus companheiros de trabalho, por mais que minha vida seja uma merda e eu não goste mais tanto de pessoas, gastei muitas noites na delegacia ou em missões de campo quando ainda era um astro em ascensão, antes de minhas turbinas serem detonadas, e tinha construído laços com quase todos no departamento, laços mais fortes do que com muitos da minha família. Passei pela recepção, cumprimentei o Jack, segui pelos corredores para o departamento de criminalística, onde ficava minha mesa. “Há algum tempo um caso interessante não repousa sobre minha mesa, muito menos um trabalho campal” pensei enquanto navegava pelos corredores do prédio, a memória da minha derrocada talvez estivesse tão fresca na mente dos meus superiores quanto na minha. Cheguei no meu departamento, o Jim veio me cumprimentar, Jim Bravura era um bom homem, um pouco rechonchudo, bigode de morsa, um pouco mais baixo que eu, com seus 1.73m. Jim tinha um bom coração, trabalhar com o crime em primeira mão normalmente te joga em um dos extremos, ou você se agarra com todas as forças ao divino para não deixar que o abismo te engula, ou você vira suas costas para o divino e tenta engolir o abismo com todas as forças que economizou, Jim havia escolhido o primeiro caminho, várias noites ele alegrou o departamento com suas falas inspiradoras, sobre justiça e retidão, embora muitos de nós considerassem aquilo apenas papo furado de pastor, era sempre bom esquecer por uns momentos a verdade, esquecer que o mundo é apenas uma grande arena, feita para apenas os mais fortes vencerem. Estava pensando sobre isso, quando meus ouvidos entregaram as cartas de Jim ao meu cérebro. -John, meu amigo, bom dia, como vai? O tom de Jim era animado, contrastava com o ambiente de nosso trabalho, com o ambiente da própria cidade, Jim era uma das poucas pessoas que conseguia arrancar das cordas do meu coração tons de felicidade, ecos de uma era há muito esquecida. -Jim, bom dia, estou como sempre, levando a vida – respondi arrastado, como um zumbi que tenta camuflar que há muito não pertencia ao mundo dos vivos. -Que bom, John – Jim pareceu ter notado a expressão de confusão remanescente dos eventos de hoje mais cedo em meu rosto- Você está bem? Parece preocupado. Eu não queria falar sobre aquilo, mesmo Jim sendo o amigo leal que era, mais leal do que muitos policiais daquela cidade eram à sua esposa Lei, não queria comentar meus “perseguidores” talvez não fosse nada mais que minha imaginação, talvez eu estivesse ficando paranoico pela vida de policial, e não queria que isso se espalhasse, poderia me privar por mais tempo ainda de um caso realmente sério, e eu já estava cansado de ficar pegando poeira e resolvendo casos pequenos. -Nada, Jim, apenas meio cansado, sabe como são as minhas noites- joguei essa verdade para tentar cobrir o espaço que era reservado para outra no restaurante “A Pergunta de Jim”, mas não pareceu surtir tanto efeito como esperado. -Entendo, John – ele concordou tanto com a boca quanto com o pescoço- Sinto pelas suas noites, deve ser realmente um calvário, aqui, um pouco de café talvez lhe faça se sentir melhor- ele disse, eu apenas assenti com a cabeça e permiti que ele me conduzisse pelo labirinto de mesas e papéis que era o departamento, não tão intricado e caótico quanto o da minha casa, este tinha algum sentido e era facilmente navegável, algumas mesas já estavam ocupadas, mesmo o expediente tendo acabado de começar e o hábito de pontualidade tivesse ficado do outro lado do Atlântico, alguns nos cumprimentavam enquanto outros cumprimentavam os teclados com frenéticos apertos de mão, em algum lugar deste pequeno refúgio de águias que se alimentavam exclusivamente de mistérios, intricados ou não, um telefone tocava, as janelas abertas inundariam o recinto com os raios de sol que meus olhos tanto abominariam há alguns meses atrás, embora eu fizesse o possível para escapar deles, mesmo em meu expediente diurno, porém, o espelho das almas que repousava sobre a cidade impedia que entrasse uma porção forte o bastante de luz para perturbar o clima interno do corpo urbano. -Aqui, John, um pouco de calor para expulsar o frio da noite- ele disse enquanto me estendia o copo de café da máquina do escritório, mais popular do que qualquer prostituta da cidade. Eu bebi o líquido quente, o gosto do qual travava uma batalha acirrada com o do cigarro que eu havia abandonado no cemitério dos usados no andar anterior, batalha a qual não me interessava muito, o calor que ele proporcionou ao meu sistema enquanto descia o túnel do meu organismo contrastava com a minha frieza física enquanto as palavras de Jim derretiam o iceberg que era meu espírito, preparando-me para mais um dia. Tivemos nosso habitual tiroteio de palavras amigável, os assuntos em pauta eram o de sempre, algum caso especialmente grotesco ou algum escândalo político qualquer, o tipo de coisa que é tão conhecimento comum quanto a cor do céu quando se é um policial. Até que eu me despedi dele e fui à minha mesa começar meu trabalho do dia. Estava conferindo onde havia parado no último “caso” que havia sido confiado a mim, checando os pontos nos quais não havia dado os nós, apenas mais um caso vagabundo de crime passional, o marido assassinou a mulher porque suspeitou que ela o traiu, blá blá blá, o tipo de coisa que você ouve mil vezes na sua vida e deixa de se importar na sexta se for um civil e na segunda ou terceira se for um policial, os únicos que pareciam não se cansar dos mesmos atores, apenas com personagens diferentes, fazendo os mesmos scripts eram os jornalistas, desde os jornais meia-bocas de rádios à beira da falência ou emissoras cuja audiência principal são as pessoas dando a volta nos canais, na ilusão que acharão algo melhor do que no qual estavam antes, até as maiores emissoras. Talvez eles não tivessem nada melhor para pôr no lugar e resolvessem apenas colocar o que estava em abundância na cidade, talvez algum redator lá realmente se importasse em “mostrar a verdade”, como se isso mudasse alguma coisa. Passei minha manhã ali, com as persianas do meu perímetro do ninho servindo de escudo contra os já fragilizados mensageiros do sol. As informações na tela do computador e nos papéis sobre a mesa não conseguiam manter meu cérebro focado, não que eu fosse preguiçoso ou desleixado com meu trabalho, apenas eram casos tão medíocres que não os considerava dignos de minha atenção. Devaneava, lembrava quando eu e Alex, meu antigo parceiro no trabalho, resolvíamos casos de verdade, não o tipo de coisa que você vê nos filmes do Sherlock, mas, ainda assim, casos realmente interessantes e, algumas vezes, importantes em certo nível. Até nosso pequeno filme de aventura cair vítima do destino. O estampido de uma arma, seguido de um grito de agonia, o qual foi acompanhado de outro grito, encerrou a sinfonia de meus pensamentos, estava de volta ao cruel presente, pelo menos sua crueldade havia sido amenizada, era hora da pausa para almoço. Larguei a minha pedra de Sísifo e fui saciar a fome que estava em minha esfera de controle, desci as escadas do departamento que, diferentemente das do meu prédio, permitiam-me a façanha, mesmo após eu ter iniciado uma relação abusiva com meu sistema respiratório. Fiz o mesmo caminho da manhã, só que inverso, mais relaxado desta vez, as palavras de Jim, a companhia dos meus cigarros e a esporádica aparição de um ou outro colega de trabalho para travar pequenos diálogos puxaram minha atenção dos problemas da manhã quase por completo, quando emergi das portas do prédio para a rua, olhei para cima e vi o céu mais fechado do que quando havia entrado mais cedo, talvez não refletisse apenas as almas dos habitantes, talvez as lágrimas dos mesmos também. Mais uma vez deixei a tarefa de navegar pela rua ao piloto automático, fazia esse mesmo caminho há 3 meses, o choque que meus ouvidos receberam ao terem a sinfonia calma das vozes e esporádicos toques de telefone da delegacia substituída pelo violento rugir das veias de asfalto da cidade vertendo carne e metal sem parar também já havia se tornado familiar, nada que um tempo de adaptação grande o suficiente não faça. Olhava calmamente para as pessoas que passavam na rua, de vez em quando meu olhar caía sobre um carro ou outro, um bêbado passou ao meu lado, seu odor de cerveja barata competindo com os resquícios do meu cigarro para ver quem ganhava a escaramuça pelo controle do meu nariz, meus pés fizeram seu caminho para o restaurante no qual sempre almocei. Adentrei o restaurante, Barriga’s, o dono havia comprado o estabelecimento, que antes era apenas mais um boteco na paisagem da cidade, e transformado num restaurante, aberto todo o horário de trabalho, algo extremamente apreciável por pessoas que, como eu, não queriam voltar para casa para comer. Era um lugar bem agradável, até, ficava do lado da rua que, nesse horário, era poupado do flagelo solar, não era muito barulhento, e o preço era aceitável. Restaurante a quilo, prático e popular nos últimos anos, os funcionários já me conheciam, embora nunca tenha parado pra falar com eles, eu não arrumava problemas e era um cliente fiel, o que parecia me colocar no lado bom deles, coloquei meu habitual prato, peguei meu refrigerante, na esperança que me desse uma gastrite e me livrasse dos grilhões aos quais tantos tentavam se agarrar, e fui comer na mesa mais isolada do lugar, como sempre. Fiquei sentado lá, mastigando a comida, contemplando a paisagem do local e da rua, pelo menos era isso que meus olhos faziam, minha mente estava refletindo sobre os eventos de hoje de manhã, quando lembrei da sensação de que aquele senhor estaria me observando na estação, senti a necessidade inexplicável de prestar atenção no que meus olhos viam, tentar achar alguém semelhante com ele naquele lugar ou na rua, tudo em vão, não sabia se ficava feliz pela ausência dele ou triste pela ausência de respostas, talvez fosse realmente coisa da minha cabeça, talvez o trauma do desastre no meu último caso sério tivesse se misturado com o stress da vida de policial e planejado minha decadência em paranoia, talvez... Minha atenção foi atraída pela televisão, o deputado estadual Arthur Cliff estava falando, as notas de rodapé diziam algo como “pronunciamento do deputado sobre assassinato de seu assessor” a voz de Arthur ressoava no ar competindo pelo espaço com as outras, resolvi focar minha atenção ali. -Eu acho um absurdo, um homem não pode ter uma vida honesta na política que já tem um fim desses- ele falava, cercado de microfones e com a cara toda hora coberta por um novo flash de luz, parecia seriamente consternado- Se o arquiteto desse plano nefasto acha que vai me dissuadir de minha cruzada contra os demônios da corrupção, ele está horrivelmente enganado, pois apenas me deu mais certeza que devo completar meus intentos. -Completou o senador antes de puxar um pano do bolso do seu terno e enxugar o rosto. Eu dei um pequeno sorriso, o homem tinha jeito com as palavras, poderia tão bem ser poeta ou escritor quanto ocupar o cargo público no qual estava, baixei minha atenção para meu prato e continuei minha refeição, apenas mais um caso de assassinato, só que com uma vítima ilustre, o que o causava mais digno do que a maré de casos que competiam pela atenção de qualquer um, em outros tempos, eu estaria intrigado pela situação e esperando ser apontado para o caso, atualmente, porém eu não mais nutria esperanças de um dia voltar a ter a chance de brilhar, talvez mesmo que eu a tivesse, não a aproveitaria de forma eficaz. Terminei meu almoço, fiz o processo habitual de pagar, sair do estabelecimento e reverter o caminho que havia tomado, tudo no automático no caminho de volta, conferi meu relógio, 12:40, ainda havia um pouco de tempo antes de ser atacado pelo marasmo da tarde, retornei para a delegacia, cumprimentei o Jack, subi para o departamento de novo, fui à minha mesa, abri rapidamente as persianas do meu pequeno escritório para olhar do lado de fora, a multidão de volta ao trabalho lotava as ruas, de vez em quando minha atenção era atraída por alguém de chapéu preto na multidão, mas, logo que notava que não estavam lá para me espionar, sumiam no mar de pessoas, fiquei ali alguns segundos, até que resolvi voltar para minha cadeira, sentei lá, acendi mais um cigarro, e esperei... As 12:40 se transformaram em 13:00, as 13:00 se transformaram em 14:00 e as 14:00 se transformaram em 15:00, quando as 15:00 estavam prestes a completar sua transformação em 16:00, fui arrancado da minha calmaria e marasmo pelo som de um telefone tocando, normalmente não seria nada mais do que mais um som no cenário natural da estação, mas esse estava incomodamente alto... Levou-me dois segundos para notar que se tratava do meu, atendi-o sem esperar grandes coisas, provavelmente algum engano no ramal ou o diretor da sessão atrás de algum papel que tivesse esquecido, porém, minhas expectativas foram quebradas. -Chess – A voz do diretor Edward Kayne era inconfundível, uma voz rápida e forte, objetiva, em seu próprio mérito, como um soco de pugilista ou o tiro de uma sniper. -Pois não, senhor Kayne? - respondi com a voz de sempre, calma e desinteressada, esperando que ele me descesse mais um caso medíocre pelos ouvidos ou pedisse que mandasse algum papel para ele. -Preciso que venha ao meu escritório, tenho um trabalho aqui e acredito que você seja o homem adequado para o mesmo- Ele respondeu -Claro, irei aí agora mesmo, senhor- Retruquei -Ótimo- Ele desligou Coloquei o telefone de volta em seu lugar, dei uma tragada no meu cigarro e soltei enquanto suspirava, por que ele ligaria para mim para avisar que queria me dar um trabalho? Normalmente é só um e-mail com algum novo caso medíocre. Por um instante, passou pelo meu cérebro a ideia de que talvez, só talvez, ele estivesse querendo me dar uma segunda chance, me reinserir no trabalho de verdade, essa ideia foi rapidamente contra-atacada pelo batalhão de pensamentos que há muito havia perdido a esperança. Porém, um outro pedaço do meu cérebro sussurrou no ouvido dos outros uma questão interessante: “Se fosse só um trabalho medíocre, por que ele quebraria a rotina?” Eu havia ensinado a mim mesmo a inutilidade de esperanças, mas talvez disfarçar a esperança de lógica pudesse me ajudar a burlar a segurança do meu cérebro... Episódio 4: Uma Agradável Mudança de Curso Tirei o cigarro de minha boca e o coloquei lado a lado com seus irmãos no cinzeiro, levantei-me e comecei a jornada para o escritório dele, não ficava tão longe, apenas algumas mesas entre eu e o núcleo da nossa pequena máquina decifradora de casos. Fui costurando pelas mesas do departamento, alternando minha atenção entre a navegação pelo mundo real e pelos meus pensamentos. Após alguns segundos, estava na frente da porta da sala de Kayne, estava prestes a bater na porta, quando ouvi a voz dele lá dentro, parecia estar falando com alguém no telefone, a porta, porém, era muito grossa para que eu pudesse ouvir o que estava falando com clareza, e o fato da sala dele ser a única realmente selada não ajudava, as persianas das janelas internas (pois dão pra dentro do prédio ao invés de pra fora) estavam fechadas, um pequeno cofre particular num ninho de decifradores. Esperei alguns segundos, cogitando o que fazer, não estava paciente o bastante para esperar ou ficar tentando o que quer que estivesse falando, mas também não queria estragar minha possível chance de retorno ao turno da noite e aos trabalhos dignos, então resolvi bater calmamente na porta, não querendo interromper a ligação dele, mas, pelo menos, anunciar minha presença. Após alguns segundos, os sons de conversa dele cessaram, e pude ouvir claramente ele me pedindo que entrasse, fiz esse pequeno favor para nós dois sem hesitação. Adentrei a sala, tinha o mesmo tamanho que todos os outros detetives tinham para si, apenas estava a parte e um pouco mais ajeitada do que as demais, as paredes estavam recheadas com recortes de jornais emoldurados, não precisava nem ler para saber que eram notícias sobre algo que ele havia feito e a imprensa havia achado genial, a mesa dele repousava alguns passos da porta, limpa e polida como os sapatos de qualquer político sério, encima dela, um monitor de computador, alguns papéis sobre casos podres do dia-a-dia que ele estava tentando decidir quem teria a desonra de ter que desvendá-los, e o suporte de caneta com sua habitual caneta-tinteiro. O olhar de Kayne sobre mim era indecifrável, não conseguia discernir se ele estava tentando forjar passividade diante daquela situação ou se simplesmente não dava a mínima, seus cabelos, negros e lisos, oleosos até, não se decidiam entre repousar sobre seus irmãos no centro da cabeça dele ou se caíam para os lados, fato que o forçava a andar por aí com um pequeno pente, para esse tipo de situação embaraçosa, seu rosto era um pouco mais fino que a média, como o de um predador burocrático, um ardiloso carnívoro que come de acordo com as circunstâncias, usava um terno cinza, que se adequava perfeitamente às suas medidas, a barba bem feita, dentes brilhantes, parecia mais um candidato à presidência do que um chefe de departamento da NYPD. -Ah, Chess, sente-se – Ele disse assim que entrei e fechei a porta, sentei-me na cadeira em frente a ele e aguardei. -Serei rápido e objetivo, estamos retirando sua suspenção do Departamento de Criminalística e Investigação e te devolvendo ao turno da noite- Ele disse, rápido como um raio, e tão surpreendente quanto um. Eu parei meus pensamentos por um instante, meu rosto e cérebro pegos em uma expressão de surpresa, surpresa apreciada. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, o universo tivesse entendido que eu só seria feliz quando minhas conclusões racionais fossem derrubadas por um sutil toque do destino, como um castelo de cartas bem estruturado que cai perante o mais simples sopro de vento. Fui arrancado da minha corrente de pensamentos pelo fluxo contínuo das palavras dele. -Você estará voltando ao turno noturno amanhã de noite, creio que não preciso te contar qual hora deva estar aqui, não faz tanto tempo desde seu último turno noturno, você conhece os procedimentos. Eu ainda estava em choque, ficar sem palavras não faz meu tipo, mas eu desafio até o mais eloquente poeta a manter a compostura quando assaltado por algo tão inacreditável e, ao mesmo tempo, tão agradável quanto a notícia que eu tinha acabado de receber. Porém, como se uma espécie de sentido aranha tivesse acordado em mim, eu sentia que algo estava errado, algo em mim tentava alertar meu cérebro sobre alguma coisa, eu sentia uma estranha friagem percorrendo a fronteira de meu cérebro, como um detalhe potencialmente importante que eu estava deixando passar. Kayne parecia analisar minha expressão de confusão, talvez ele soubesse o que estivesse apitando meu sentido de perigo, talvez não quisesse me contar, talvez não tivesse coragem. - Se não quiser voltar, vou entender, não querendo tocar na ferida... Essas palavras cortaram a cortina de fumaça que era minha alegria, eu lembrei o porquê de minha suspensão, tanto do mundo criminal quanto do real. A Tragédia de John Chess e Alex Keitel. Por um momento, senti como se estivesse de volta naquela noite, conseguia sentir a friagem do ar noturno, as gotas de chuva descendo pela minha pele, se fechasse a mão, tinha certeza que ia sentir a textura de sangue de novo. Fiquei ali por alguns momentos enquanto ele continuava tagarelando sobre como entendia minha situação, mas os superiores haviam requisitado minha realocação, que se eu quisesse, poderia recusar, mas provavelmente não teria outra chance assim em muito tempo. - Eu sei que deve ser difícil para você – Kayne continuou, tentando ser um psicólogo com diploma em direito – Mas, adoraria que você pensasse no assunto com calma, refletisse... – ele disse, enquanto se ajeitava na cadeira – Tire o resto do dia de folga, reflita sobre a proposta, até amanhã de noite vou querer uma resposta sua sobre o assunto, pode ser pelo telefone mesmo, pode até ser esta noite, só pense sobre isso, ok? - Ok, senhor... – Balbuciei fracamente, de forma que ele me entendesse, fiz menção de me retirar e ele fez o sinal para que saísse, fui até a porta e a abri como se me faltasse força nos dedos para executar até tão simples tarefa. Sai do escritório dele e me dirigi à minha mesa, dei uma observada no escritório durante a pequena viagem, Bravura não estava em lugar algum, talvez cuidando de algo em outro departamento, talvez saído mais cedo para cuidar de algo de sua família. Desliguei meu computador, ajeitei minha mesa no lugar e iniciei minha jornada de volta, decidido a não olhar para ninguém no caminho, não que eu tivesse medo que notassem algo errado em mim, eu apenas não queria que tentassem me ajudar, eles tentariam, não conseguiriam e eu perderia meu tempo, não que qualquer coisa que fizesse não resultasse nisso no final. Cheguei à rua, o céu parecia mais escuro do que mais cedo, não podia dizer agora se era chuva, a proximidade da noite, a poluição fazendo seu trabalho habitual, ou apenas meus sentimentos intoxicando minha percepção da realidade. Fiz minha jornada para a estação de metrô, no caminho, meu cérebro lembrou de alguém que raramente estava por perto para propor ajuda, mas sempre atendia a um chamado. Miguel Santi era dono de um restaurante de comida italiana na fronteira do centro da cidade, ele tinha um negócio de prosperidade média, principalmente por dois motivos: sua localização física e social. Miguel tinha ligações com a máfia da cidade, a Torre D'Avorio, eu não sabia em qual andar da torre ficava o escritório dele, também não era da minha conta, era um traficante de armas de baixa relevância no grande mercado negro, e havia me ajudado algumas vezes no passado, eu e ele tínhamos uma relação relativamente boa, para um detetive e um traficante, Miguel tinha o costume de dizer que éramos como irmãos, apenas pegos em lados opostos na guerra. Encostei-me na parede do metrô, nem havia notado que havia chegado lá, peguei meu celular e liguei para Miguel. Após alguns segundos, ele atendeu, com seu habitual tom alegre. -John, mio amico preferito, o que o traz à minha linha telefônica hoje? Eu dei um pequeno sorriso, mesmo através da fria linha telefônica, a alegria dele era contagiante. Acho que se adaptava a qualquer condutor. -Miguel, eu precisava de uns... conselhos de amigo, poderia falar com você hoje à noite? – Não queria contar a ele o motivo da conversa pelo telefone, hábito de detetive, sempre melhor manter as informações fora do alcance de grampos. -Claro, John, para amigos como você, sou como Cronos, todo o tempo do mundo à minha disposição. Dei outro pequeno sorriso, talvez a vida não fosse uma vadia tão escrota quanto eu havia pensado. - Então, posso aparecer aí que horas? - Quando quiser, John, estou terminando uns assuntos aqui no restaurante e resolvi que ficaria para jantar aqui mesmo, seria muito apreciado se você ficasse aqui para uma degustação grátis, melhor do que as pizzas ou qualquer outra porcaria que você come na sua casa, eu garanto. - Bom, se você fala assim, eu não posso recusar, estarei chegando aí dentro da próxima hora, até de noite, Miguel. Ele respondeu minha despedida e eu desliguei. Deixei escapar um suspiro de alívio, a pequena conversa com Miguel havia tirado um pouco do lodo negro que atormentava meu cérebro, mas havia muito mais lá do que apenas as palavras alegres dele poderiam dar conta. Sentei-me num banco perto do ponto em que o trem que passava mais perto do restaurante dele fazia parada, fiquei ali sentado, refletindo sobre a minha situação. Uma parte do meu cérebro dizia que era melhor deixar para refletir isso com uma mente mais estável como a de Miguel, enquanto outra era inquieta demais por natureza para aguardar qualquer coisa, os segundos alternavam entre rapidez e lentidão, assim como meus pensamentos alternaram entre alegria e tristeza. Uma ambulância se aproximava, não, eram apenas os faróis do metrô anunciando sua chegada, quem dera ambulâncias fossem pontuais como metrôs. Adentrei o vagão com meus próprios passos dessa vez, ainda não estava no horário da multidão fazer seus habituais movimentos de retorno para suas tocas, sentei-me num banco qualquer no meio do trem e encostei minha cabeça no vidro, o qual alternava entre refletir meu reflexo e mostrar as paredes dos túneis. Meus olhos castanhos pareciam refletir a negritude do céu, estavam escuros, as olheiras, mesmo menores do que o normal, ainda eram um pouco notáveis, meus cabelos negros ainda estavam ajeitados de lado, como havia deixado de manhã, a coisa que mais diferia do seu estado três meses atrás não podia ser visto claramente, mas era fácil postular seu estado só de olhar para os sinais externos. A viagem foi relativamente calma, após alguns minutos, chegamos à estação da rua Gentle’s Cross, apenas dois quarteirões distante do enclave italiano de Miguel. Subi as escadas da estação e fui saudado pelo inconfundível toque frio da dama da noite, olhei para meu relógio, eram quase seis da noite, não sabia se creditava esse lapso de tempo ao sistema viário, aos meus devaneios, ou aos dois. O sol havia se posto já há algum tempo, e suas pequenas cópias começavam a tomar vida para cumprir seu papel noturno. Comecei minha jornada pelas ruas quase-noturnas de Noir York, como fazia esse caminho mais raramente, precisava prestar atenção no que fazia e no caminho que tomava, não era um bairro tão barra-pesada como outros bairros fora do fluxo principal da cidade pelo simples fato que a Torre não permitira uma escalada na criminalidade, ruim para os negócios que gostavam de manter para mascarar suas verdadeiras fábricas de dinheiro. Conduzi calmamente meu corpo pelas calçadas, dividindo a atenção do meu cérebro entre o caminho à frente e meus pensamentos, que vinham atrás de mim como perseguidores implacáveis. Virei uma esquina e contemplei a rua, havia uma boa quantidade de construções iluminadas, a maioria prédios de habitação e algumas lojas, mas o restaurante de Miguel, Piatto D'Oro, era um estabelecimento até que simples, espremido entre dois prédios de habitação, mas com 2 andares além do térreo. Uma arquitetura um tanto quanto clássica, que parecia imitar os edifícios da Roma antiga, nostalgia patriótica, acredito. As janelas eram retangulares, ajeitadas na vertical de modo a alinharem com as colunas decorativas que enfeitavam a fachada do prédio. Sobre a porta dupla do primeiro andar se lia, em letras pintadas de amarelo tentando imitar o dourado dos antigos livros europeus, Piatto d'oro. As cortinas (Sim, haviam cortinas no restaurante) cor de vinho estavam fechadas, mas luz emanava por baixo delas. O estabelecimento estava aberto, Miguel não ia largar um amigo nas ruas da cidade após prometer falar com ele. Cruzei a rua com a friagem noturna como minha única companhia, as ruas já estavam um pouco mais escuras que antes, todas as luzes artificiais já estavam cumprindo seu trabalho, competiam com as dos prédios e os faróis do carro para ver quem iluminaria mais o grotesco espetáculo que era a noite da cidade. O restaurante, porém, era um dos poucos refúgios onde a sombra da cidade não penetrava. Abri a porta, e o agradável calor e iluminação do novo ambiente contrastaram de forma agradável com a friagem e escuridão que dominavam o antigo. O interior do restaurante seguia os moldes da fachada, haviam algumas mesas no andar de baixo, duas das quais estavam ocupadas por clientes, não ocupei meu olhar com eles no momento. Havia um balcão que guardava a porta para a cozinha, no qual eu conseguia ver dois rapazes em roupas sociais cinzas, possivelmente capangas do Miguel, e o responsável pelo atendimento do balcão. Um homem com traços italianos nos seus 36 anos de idade, com um terno negro e um cabelo que começava a falhar em esconder sua cabeça. Uma escada fazia seu caminho para dentro da parede, do lado esquerdo do balcão, enquanto do lado direito, havia outra, guardada por outro capanga, o qual usava um sobretudo, possivelmente para esconder alguma arma de maior calibre que levava consigo. Antes que eu pudesse me mover muito, eu ouvi passos descendo a escada do lado direito, meu olhar seguiu o som e, após alguns segundos, Miguel apareceu nos degraus visíveis. Miguel sempre estava bastante apresentável, usava um icônico conjunto social branco, terno, calças, sapatos, até luvas, irônico, um homem que vive do mercado negro sempre se apresentar de branco, mas, é aquela história, as aparências enganam. Ele tinha um cabelo um tanto quanto longo, liso, chegava até suas orelhas, era loiro claro, seus olhos contrastavam com todo o branco e clareza em sua aparência geral, eram castanho-escuros e, não importa o ângulo do qual você olhasse, sempre pareceriam negros. Pelo menos os olhos não mentem. Tinha um rosto normal, uma constituição média e altura bastante comum, 1.78 metros, pelo menos foi o que me contou da última vez. - John, mio amico preferito, que bom que chegou. – Ele disse, passando do lado de seu capanga e fazendo sinal para que eu o seguisse – Venha, vamos comer algo e descontrair antes de tocar nos assuntos mais difíceis da vida, que eu e você sabemos que temos assuntos difíceis para compartilhar Eu assenti e comecei a segui-lo enquanto dava meia volta e refazia seu caminho pela escada, Miguel tinha uma vida mais agradável que a minha por causa de sua posição na máfia? Sim, mas isso não o privava de enfrentar as vicissitudes da vida, assim como eu, muito menos de lembrar as do passado, também como eu. Subimos as escadas até o terceiro andar, onde ficava o escritório e sala de jantar particular de Miguel, no caminho, ele ia me contando sobre algumas de suas empreitadas recentes, de forma despreocupada, não estava em ambiente hostil, as paredes eram bem grossas exatamente para evitar conversas particulares vazando, aqueles três capangas que vi lá embaixo não eram, com certeza os únicos guardando o lugar, o restaurante de Miguel poderia servir tanto doses mortíferas de calorias quanto de balas, era escolha do cliente. Após dois lances de escadas, estávamos diante de uma pequena área plana, na qual haviam mais dois capangas de Miguel, um de cada lado da porta, ele nem precisou fazer sinal nem nada, eles abriram a porta, de forma tão automática quanto meus passos hoje mais cedo, e nós adentramos o recinto. Aquilo não era uma suíte presidencial, nem a residência na qual ele passava a maior parte do seu tempo, mas era decentemente articulada. O tinha um piso marrom, que combinava com o papel de parede e o foro do teto, parecia um pequeno escritório de um psicólogo do século passado, havia uma pequena mesa no meio do recinto, daquelas alongadas, as lâmpadas de LED no teto contrastavam com a atmosfera clássica que o local tentava passar. Haviam algumas cômodas ali, algumas expondo taças de vinho, outras copos de uísque, atrás da mesa de jantar, ladeado por dois pequenos armários com uma pequena exposição de pratos e xícaras, estava a porta para o escritório de Miguel. - Venha, John, sente-se – Miguel disse enquanto se dirigia para uma das cadeiras nas extremidades da mesa, ela não era tão longa, talvez tivesse apenas 1 metro e meio de comprimento e meio metro de largura. - O.k – Respondi com uma voz mais entendível e alegre do que o normal, Miguel tinha esse tipo de influência sobre as pessoas, era como uma luz branca que conseguia bater de frente com toda a escuridão da noite e continuar com um sorriso no rosto, não que tentasse combate-la, apenas a domesticava para que não o machucasse. - O chefe já deve estar mandando os pratos, sempre bom ter um amigo para jantar, não recebo muitas visitas aqui, além dos clientes, é claro. – Ele disse, tentando puxar uma conversa pra me puxar mais do poço de tristeza - Sei, sua segunda família vem muito aqui? – Resolvi auxiliar ele em sua pequena tarefa, seria melhor para nós dois. - As vezes, quando eu estou na área e não temos lugar melhor para nos reunirmos, mas não é o lugar mais apropriado para cuidar de nossos... negócios – ele encerrou a última palavra com um sorriso - Negócios que não envolvem comida italiana, suponho. – Respondi rápido - Depende da situação e do negócio, comida italiana pode resolver muitos problemas, sabe? - Sei, resolve problemas de um e cria problemas para outros - E crio mais trabalho para aqueles que resolvem esses problemas, é tudo um grande ecossistema, no qual temos que tentar coexistir e sobreviver das formas mais eficazes possíveis – Ele disse, enquanto ajeitava sua postura na cadeira. Ficamos pelo próximo minuto conversando, apenas conversando, ouviu-se batidas na porta após esse tempo, Miguel disse para que entrassem, e 4 de seus capangas entraram, dois com pratos com o que parecia ser pizza feita na hora, e um trazendo uma garrafa de vinho, posicionaram os pratos e encheram duas taças de vinho, em seguida se retiraram. Comemos e bebemos e continuamos nosso diálogo, ele não parecia ter pressa de avançar para o que havíamos marcado para discutir, e estava me induzindo a não ter pressa também, o desespero acumulado do dia todo parecia estar desvanecendo naquela conversa, desvanecendo de forma tão natural quanto o desenrolar do diálogo, ele era tão habilidoso com as palavras como era com as linhas do mercado negro. Acho que precisa de um para ter outro. Miguel bateu palmas e seus capangas entraram para tirar os pratos e os copos da mesa, enquanto isso, ele se levantou e se dirigiu à porta de seu escritório, ele nem precisou me chamar, eu me levantei e fui logo atrás dele, ele abriu a porta, eu o segui quando ele entrou. O escritório de Miguel era do mesmo estilo da sala de jantar dele, apenas tinha uma escrivaninha com um computador, uma pequena estátua de um lobo e um porta-canetas com sua caneta-tinteiro. Nas paredes haviam algumas estantes que exibiam umas garrafas de uísque e vinho, além de copos para as respectivas bebidas, uma espécie de quadro, como aqueles que eles têm na escola, com um piloto e apagador repousando numa saliência na parte de baixo dele. Atrás da mesa dele, haviam três janelas em formato clássico (quadradas com um arco em cima) as quais estavam com as persianas fechadas, bloqueando a visão da cidade. Miguel foi até uma das estantes, pegou uma garrafa de uísque e dois copos, colocou-os encima de um criado-mudo e começou a encher enquanto preenchia o ar com suas palavras. - Desculpe por te enrolar um pouco, John, apenas queria que você estivesse mais calmo quando fôssemos falar disso. Não estava frustrado nem irritado com Miguel, na verdade estava até feliz que ele tivesse me enrolado e me feito esquecer dos problemas por uns momentos, era bom esquecer por uns momentos quem você era, especialmente quando se é eu. - Não tem problema, Miguel, eu entendo suas razões. - Que bom, por isso que eu digo que somos como irmãos, apenas postos em lados conflitantes pelas circunstâncias – Ele disse, enquanto se aproximava com os dois copos em mão – Então, pode falar, o que te tormenta? – ele disse enquanto oferecia um dos copos - Hoje, o Kayne me contou que queriam retirar minha suspensão e me devolver ao departamento de criminalística no trabalho de detetive profissional, além de me colocar de volta no turno da noite. No momento, isso pareceu ótimo, mas então, eu lembrei do incidente que me fez ser suspenso, e você sabe como memórias são fortes...- Eu disse de uma vez, enquanto seguia ele até a escrivaninha, ele se sentou e eu, após terminar o desabafo, desci o copo inteiro de uísque de uma vez e me sentei, ele cruzou seus dedos sobre o copo, e olhou para mim com uma expressão de legítima preocupação. - Entendo, John, você não quer voltar ao trabalho por lembrança do seu amigo, ou por medo de causar um incidente semelhante? - Um pouco dos dois, mas, principalmente, o primeiro. – Disse enquanto deslizava o copo pela mesa para que ele enchesse de novo - Certo, John, entendo seu ponto – ele disse enquanto pegava a garrafa e começava a encher o copo de novo – Mas, fugir do seu passado só fará as coisas piores, recusar essa oferta pode parecer uma boa escolha para evitar as lembranças ruins agora, mas você só vai estar adiando um problema, não o resolvendo – Ele disse enquanto completava o copo. Eu puxei o copo para mais perto e refleti um pouco, talvez ele estivesse certo, talvez fosse melhor enfrentar meu passado, mas algo continuava me segurando com um pé para trás... - Além disso – ele me arrancou de minha autorreflexão após dar um gole em seu próprio copo de uísque – Acredito que você estaria honrando a memória de seu amigo mais ao prosseguir com o trabalho que vocês dois tanto gostavam do que ficar enfiado no turno diurno como um aleijado na guerra – ele completou e terminou a dose do seu copo - Mas, e se outro desastre acontecer? – Eu levantei a última barreira de defesas da minha desesperança para ver se ele conseguia derrubá-la - Desastres podem acontecer em qualquer lugar, não só no turno noturno, você só está fugindo dessa possibilidade por trauma, John, não que seja algo pequeno, mas você não pode deixar que isso tome conta de você. Não é algo divertido, diferente do álcool ou do cigarro. – Ele completou a implosão de minha desesperança com um olhar de expectativa Não sei se era o cansaço das noites mal dormidas, o álcool ou a capacidade persuasiva de Miguel, ou tudo junto, mas os argumentos dele pareciam bem válidos, realmente havia sido uma boa ideia procurar ajuda com uma mente estável. Dei um sorriso, e Miguel entendeu o recado, antes mesmo de eu falar. - Verdade, Miguel, eu não devia ter deixado meus traumas do passado atrapalharem minha saída desse buraco, permite-me fazer uma ligação? - Claro, amigo, vá em frente Peguei meu celular e disquei o número de Kayne, não demorou muito para que ele atendesse, ouvia o barulho do fala-fala da delegacia, ele devia estar fazendo algo no turno noturno, não me importava. Falei para ele que estava pronto para reassumir meu posto e que estaria lá no dia seguinte na hora de sempre, trocamos algumas palavras rápidas para acertar uns últimos detalhes e desliguei. Meu renascimento começava agora. Dernière modification le 1512784800000 |
Twistzaok « Sénateur » 1512421800000
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fic top pena q tu q escreveu |
Rafaklbvr « Consul » 1512422040000
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Fakemoeda a dit : Maquicarai Melph, isso é muito rude da sua parte. |
Rafaklbvr « Consul » 1512784860000
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Fanfic atualizada, espero que alguém ligue. |
Nickporto « Citoyen » 1512873900000
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estou ligando vou tentar dar uma lida mais tarde |
Rafaklbvr « Consul » 1512928860000
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Nickporto a dit : Aí sim, valeu tamojunto é nois é o crime |
Raique « Citoyen » 1512937860000
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Como da +1 aq |
Rafaklbvr « Consul » 1512989400000
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Raique a dit : Aí Raicão só nos corações ali no canto inferior direito do comentário |
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AMEEEEEEIIIIIII |
Rafaklbvr « Consul » 1513172640000
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