[Concurso] Seu suposto filho |
![]() ![]() « Citoyen » 1513969800000
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aqui tem um link do pastebin pra quem quiser ler com espaçamento pq me da asco n ter espaço antes de um novo paragrafo entao tai bj A porta da frente emperrou, teimando apesar de meus melhores esforços. Até onde eu sabia, sempre fora assim. Ao longo dos anos, ninguém se importara o suficiente para consertá-la. Quando finalmente cedeu, respirei fundo. A quietude do lado de dentro não me enganava. Eu sabia o que estava por vir, afinal, já se tornara rotina. De qualquer forma, nunca estava preparado o suficiente. Tornava-se mais desgastante a cada dia. Como de costume, a sala escura me recebeu, assim como a figura de minha velha mãe. Com o pijama amarrotado e os cabelos desgrenhados, ela segurava a frigideira acima da cabeça, tensa. Suas mãos frágeis e enrugadas estavam visivelmente trêmulas. — Quem é você? — perguntou, abrindo o diálogo com o mesmo questionamento de sempre. O rosto parecia ter perdido toda a cor, bem como os lábios. Uma mecha de cabelo teimosa grudava-se ao suor frio em sua testa. — Como você tem a chave da nossa casa? Com um suspiro, ergui as mãos no ar, palmas visíveis. Com toda minha paciência e compostura, andei até a mesa de centro sem tirar os olhos de cima de mamãe, quem parecia mais perto de surtar a cada passo dado por mim. Curvei-me para pegar o porta-retratos. Ao endireitar-me, segurei-o com as duas mãos para que ela pudesse ver a foto contida por ele: nossa família em um de seus melhores momentos, cheia de sorrisos na praia. Sob o guarda-sol, eu e papai compartilhávamos uma cerveja enquanto mamãe cochilava ao sol logo ao lado. Dei-lhe tempo para que compreendesse o que via antes de falar o mais mansamente possível: — Sou eu. Seu filho, sim? — Roberto? Não, não — ela baixou a frigideira, sacudindo a cabeça e levando uma mão à boca por um momento. — Ele tá na faculdade. Em Santa Maria. É longe daqui... — Eu já me formei, mãe. Eu até cuidei da aposentadoria por invalidez do papai, lembra? — expliquei calmamente, devolvendo o porta-retratos ao seu lugar original e pegando minha carteira no bolso de trás das calças. Puxei a pequenina três por quatro que me exibia no quepe de formando, orgulhoso contra um fundo azul. Entreguei-a para ela, quem hesitou momentaneamente antes de tomar a foto entre dois dedos finos e maltratados. Ela ficou parada por um longo tempo, o olhar se perdendo além da miniatura de seu filho que segurava. Ali, iluminada apenas pela distante luz da cozinha, mamãe parecia ainda mais fraca. Viver para ver seus pais se deteriorarem quando antes sempre eram tão fortes era uma experiência no mínimo perturbadora. Houve uma época em que mamãe era o elo forte da corrente de nossa família, segurando-a unida. E agora essa era minha função. Eu nunca quis tomá-la. Não havia forma alguma de mitigar a dor que exercê-la me causava, mas pelo menos eu podia dormir com a consciência limpa, sabendo que tomaria conta deles até o fim. Bem, ao menos é assim que eu imagino que Roberto se sentiria. Não tenho como saber. Ele já está numa cova rasa há um bom tempo, então não posso pedir sua opinião. Todavia, tento ser tão autêntico quanto possível. Lentamente, envolvi mamãe pelos ombros, guiando-a com cuidado até a cozinha. — Vem, mãe. Eu vou fazer algo pra vocês comerem. — Seu pai tá meio quieto — ela murmurou, escondendo o tom choroso na voz ao descansar a cabeça em meu ombro. — Ele parece meio pra baixo. — Amanhã ele já vai estar mais falante — menti, cansado demais para explicar a condição de papai para ela outra vez. — Sabe como ele se retrai às vezes... — É, acho que você tem razão, querido. Acomodei-a numa cadeira à longa mesa de jantar, me dirigindo ao fogão e começando os preparos para nosso típico jantar. A água para a massa já fervia quando minha querida mãe finalmente quebrou o silêncio o qual havia recaído sobre nós: — Filho? — Sim? — incentivei, abrindo a geladeira. — Eu te amo. Pela primeira vez no dia, um sorriso genuíno se espalhou por meu rosto, aquecendo meu peito. Fechei os olhos por um segundo, apreciando a sensação. — Também te amo, mãe. Dernière modification le 1513974240000 |
![]() ![]() « Censeur » 1513980720000
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Ficaria mais fácil saber qual prompt você pegou antes (o número) pra ter noção do que esperar e poder relacionar melhor. Eu gosto muito desse tipo de história reflexiva, que deixa parte da conclusão a critério do leitor e costuma falar de coisas trágicas do cotidiano. Um escritor que faz muito isso e que me inspirou algumas vezes é o Fernando Bonassi. Enfim, gostei muito. Simples, curto e cumpre o objetivo. |
![]() ![]() « Citoyen » 1515001020000
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EU ADORO SEUS TEXTOS SOCORRO AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA Quer dizer. Muito bem elaborado, ótimo uso de palavras, seu texto foi simplesmente melodioso, e isso só pra falar dos aspectos mais técnicos. Parabéns. |
![]() ![]() « Censeur » 1515008520000
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Gente que adorei! |
![]() ![]() « Consul » 1515465960000
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Comentários sob a perspectiva de um mero leitor Atenção: pode conter spoilers sobre o texto acima Oi, Vikavilewell. Que bela reflexão! Esse tipo de texto me dá até calafrios no final: aborda os sentimentos de maneira simples, objetiva e verdadeira. Adorei a maneira como você se expressa. Alguns trechos, tipo o "Viver para ver seus pais se deteriorarem quando antes sempre eram tão fortes era uma experiência no mínimo perturbadora." fazem refletir e questionar bastante sobre o propósito da existência. Eu diria que mais perturbador é perceber que no mundo real tem muita gente que abandona os pais à própria sorte em vez de cuidar e estar junto. Acho que precisamos tomar a consciência de que um dia nossos pais foram tudo para nós e que, ao chegarem na fase senil, são eles que precisarão da nossa gratidão em forma de auxílio. O final me surpreendeu: eu mesmo tenho muita dificuldade em dizer "eu te amo" e acredito que muitas pessoas também 'sofrem' com esse problema. Eu escuto um "eu te amo" e simplesmente não sei o que responder. kkkkk Você demonstra que, se o "também te amo" vier de coração, o sentimento é válido. Espero que possamos amar e nos expressar verdadeiramente. Que possamos tomar seu texto como exemplo para nosso cotidiano até o fim de nossas vidas! Parabéns pelo texto! Dernière modification le 1515468360000 |